Sua clínica está crescendo. A agenda está lotada e você percebe que precisa de ajuda: uma secretária para organizar os agendamentos, uma ASB ou TSB para auxiliar nos procedimentos, ou talvez um colega médico ou dentista para dividir os atendimentos. A primeira ideia que surge, sussurrada como uma “dica inteligente” no mercado, é: “Peça para a pessoa abrir um CNPJ. Eu pago a nota fiscal e economizo uma fortuna em encargos trabalhistas.”
Essa ideia, aparentemente lógica e econômica, tem um nome: “Pejotização”. E ela representa, sem exagero, a maior e mais silenciosa bomba-relógio que você pode instalar na fundação do seu negócio.
Como contadores consultores, eu e minha equipe já vimos de perto o estrago que a detonação dessa bomba pode causar: dívidas que superam o valor da própria clínica, colocando em risco todo o patrimônio que você lutou para construir. Este guia não foi escrito para te assustar, mas para te proteger. Vamos explicar o que é a “pejotização”, por que ela é tão perigosa na área da saúde e, o mais importante, quais são as formas corretas e seguras de construir sua equipe e suas parcerias.
O Diagnóstico: O que é “Pejotização” e Por que ela é Ilegal?
“Pejotização” é o ato de contratar um profissional como se fosse uma empresa (Pessoa Jurídica – PJ) para mascarar o que, na realidade, é uma relação de emprego. O objetivo é fraudar a legislação trabalhista, fugindo do pagamento de direitos como férias, 13º salário, FGTS e INSS.
O que define se uma relação é de emprego não é o “contrato de prestação de serviços” que vocês assinaram, mas a realidade do dia a dia. A Justiça do Trabalho analisa quatro critérios para identificar um vínculo empregatício. Se eles estiverem presentes, o vínculo será reconhecido, não importa o que o papel diga.
Os 4 Critérios do Vínculo Empregatício (O Checklist da Justiça):
- Pessoalidade: Apenas aquela pessoa específica pode realizar o trabalho? Ela não pode mandar um substituto se ficar doente? Se sim, há pessoalidade.
- Habitualidade (Não Eventualidade): O trabalho é contínuo? A secretária trabalha toda segunda, quarta e sexta? O colega cobre plantões fixos toda semana? Se não é um trabalho esporádico, há habitualidade.
- Onerosidade: Há uma remuneração fixa ou regular pelo trabalho? Um salário mensal, um valor fixo por plantão? Se sim, há onerosidade.
- Subordinação: Este é o critério mais importante. Você define o horário de trabalho? Fornece os equipamentos e o uniforme? Dá ordens, cobra metas, fiscaliza a execução e pode aplicar punições? Se você atua como chefe, há subordinação.
Se a relação com sua secretária “PJ” ou seu colega “PJ” preenche esses quatro requisitos, você não tem um prestador de serviços. Você tem um funcionário não registrado.
O Prognóstico: Os Custos Reais de um Processo Trabalhista
A “economia” obtida com a pejotização se transforma em um prejuízo catastrófico quando o profissional entra na Justiça, o que acontece com frequência assustadora. Se o vínculo for reconhecido, a clínica será condenada a pagar retroativamente, dos últimos 5 anos, tudo o que foi sonegado, com juros, correção e multas.
A Conta de um Vínculo Reconhecido:
- [ ] Aviso Prévio Indenizado.
- [ ] 13º Salários de todo o período.
- [ ] Férias Vencidas e Proporcionais, acrescidas de 1/3.
- [ ] FGTS: 8% sobre todas as remunerações pagas, acrescido de uma multa de 40% sobre o total.
- [ ] INSS: A parte que a empresa deveria ter recolhido.
- [ ] Horas Extras, Adicionais Noturnos, Insalubridade, se aplicável.
- [ ] Multas e Custos Advocatícios.
Facilmente, uma “economia” de R$ 2.000 por mês pode se transformar em uma dívida de R$ 150.000 a R$ 200.000. Você está preparado para esse risco?
O Tratamento Correto: As Formas Legais de Contratar
Crescer da forma certa é totalmente possível. Existem estruturas seguras para cada necessidade.
Cenário 1: Contratação de Equipe de Apoio (Secretária, Recepcionista, ASB/TSB, Técnico de Enfermagem)
Para funções que exigem horário fixo, subordinação e continuidade, só existe um caminho 100% seguro:
- A Solução: Registro em carteira (CLT). Sim, existem custos (os encargos), mas este é o custo real e previsível da mão de obra. Tentar burlar isso é uma aposta de alto risco. Uma contabilidade consultiva te ajuda a fazer o planejamento de custos para essa contratação, incluindo o impacto no seu orçamento e na precificação dos seus serviços.
Cenário 2: Contratação de Colegas de Profissão (Outros Médicos, Dentistas, Fisioterapeutas)
Aqui, as opções são mais flexíveis, desde que a relação seja de igualdade, não de chefe e empregado.
- A Solução 1: A Verdadeira Parceria (PJ x PJ). É perfeitamente legal sua clínica contratar os serviços de outra empresa (o CNPJ do seu colega). Mas, para ser uma parceria real, a relação deve ser de autonomia. O colega deve ter flexibilidade de agenda, idealmente atender seus próprios pacientes, e a remuneração deve ser variável, baseada na produção.
- A Solução 2: O Contrato de Locação ou Rateio de Despesas. Outra forma comum é um profissional alugar um turno ou uma sala da sua clínica. Ele te paga um valor fixo ou um percentual pelo uso do espaço e da estrutura. Ele tem seus próprios pacientes, sua própria agenda e sua própria máquina de cartão. Não há subordinação.
Em ambos os cenários, um contrato de parceria ou locação muito bem redigido por um advogado especialista é indispensável para formalizar a relação e proteger ambas as partes.
O Crescimento Seguro é o Único Caminho Sustentável
A tentação de cortar caminhos na hora de crescer é compreensível, mas na área trabalhista, o atalho quase sempre termina em um precipício financeiro. A “pejotização” é a personificação desse risco.
A construção de uma equipe ou de um corpo clínico de sucesso passa por relações transparentes e legalmente seguras. Isso protege seu negócio, seu patrimônio e sua paz de espírito. Como um parceiro estratégico, nosso papel na Portobello é ir além dos impostos e te alertar sobre estes riscos silenciosos, garantindo que sua clínica cresça sobre uma fundação sólida.
Agende uma Sessão de Diagnóstico de Riscos. Vamos analisar sua estrutura atual de equipe e parcerias e garantir que você esteja construindo seu sucesso da forma mais segura e inteligente possível.
Perguntas Frequentes sobre “Pejotização” e Contratação (FAQ)
1. Ter um contrato de prestação de serviços PJ me protege de um processo trabalhista?
Não necessariamente. A Justiça do Trabalho segue o princípio da “primazia da realidade”. Isso significa que a realidade do dia a dia da relação de trabalho vale mais do que o que está escrito no contrato. Se na prática os critérios de vínculo empregatício (subordinação, habitualidade, etc.) estiverem presentes, o contrato PJ pode ser descaracterizado e o vínculo reconhecido.
2. Quais são os 4 critérios que a Justiça usa para definir um vínculo de emprego?
Os quatro critérios são: Pessoalidade (o serviço deve ser prestado por uma pessoa específica), Habitualidade (o trabalho não é esporádico, tem continuidade), Onerosidade (existe pagamento de salário ou remuneração fixa) e, o mais importante, Subordinação (existência de um chefe que dirige, fiscaliza e pune).
3. É ilegal contratar outro médico ou dentista como PJ?
Não, desde que a relação seja uma parceria genuína e não um emprego disfarçado. Se o colega PJ tem autonomia de agenda, atende seus próprios pacientes (ou recebe por produção variável), não tem obrigação de cumprir horários fixos e não é tratado como um subordinado, a relação PJ x PJ é perfeitamente legal e comum na área da saúde.
4. Qual a forma 100% segura de contratar uma secretária para minha clínica?
Para funções de apoio que exigem cumprimento de horários, recebimento de ordens e continuidade (como secretárias, recepcionistas, ASB/TSB), a única forma 100% segura e legal é o registro em carteira, via CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
5. A “economia” com a pejotização realmente vale a pena?
O risco financeiro anula completamente a aparente economia. Um único processo trabalhista que reconheça o vínculo pode gerar uma dívida retroativa de 5 anos que supera, em muito, toda a “economia” feita com os encargos. É uma aposta de altíssimo risco que pode comprometer a saúde financeira e até a existência da clínica.



